O professor Luiz Narciso Baratieri dispensa comentários. É um profissional que, como poucos, entende e ensina a odontologia restauradora estética para dentistas do Brasil e do mundo afora. Dentre o seu vasto currículo, é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC - Brasil), possui Mestrado e Doutorado em Dentística pela USP, além de Pós-Doutorado pela Universidade de Sheffield (Inglaterra). Além disso, é especialista em periodontia e possui mais de 120 artigos publicados nas revistas científicas de grande impacto, além de inúmeros livros em sua autoria, traduzido para mais de 5 idiomas. Ministrou mais de 300 cursos na carreira e ainda se compromete com a formação de muitos alunos. E é com grande satisfação que esta lenda se disponibilizou a dar a entrevista que, com certeza, será de grande valia para todos.
1 - Para você, qual a grande
tendência de odontologia estética hoje?
Na verdade, acredito que não seja
mais uma tendência e sim, três GRANDES realidades: 1- A implantodontia a
serviço da odontologia estética. 2- as restaurações parciais de cerâmica, em
especial, as chamadas FACETAS CERÂMICAS. Especialmente agora, estas são possíveis,
em várias situações, sem a necessidade de desgaste dental. Essas restaurações,
apesar do preço mais elevado, possibilitam que uma gama maior de profissionais
esteja apta a realizar adequados tratamentos do ponto de vista estético. Elas,
na minha opinião, representam a mais democrática de todas as alternativas
restauradoras. Algumas pessoas poderão pensar que são as resinas compostas, todavia,
elas são extremamente mais diíiceis de serem usadas pela média dos
profissionais. Vários pontos favorecem, hoje, a maior execução das restaurações
cerâmicas parciais: a) as propriedades físicas, mecânicas e ópticas das
cerâmicas atuais; b) a substancial melhoria na qualidade dos técnicos em
prótese dental; c) a adesão aos tecidos dentais, em especial. Outro detalhe
importante é que vários estudos mostram que a taxa de sucesso dessas
restaurações é extremamente elevada. 3- Por último, mas não menos importante,
está a possibilidade de concfecionarmos restaurações com o auxilio do
computador (CAD/CAM).
2 - Um profissional como você, que viu tantas
transformações na odontologia, tanto de técnica, quanto da evolução dos
materiais, qual foi a grande evolução da odontologia estética?
Sem dúvida alguma, a odontologia
adesiva é a grande responsável. Sem os conhecimentos sobre adesão aos tecidos dentais
duros que estão disponibilizados hoje, a
odontologia restauradora estética certamente não teria a força que tem. A
possibilidade de unirmos aos dentes naturais, sem termos de, algumas vezes,
desgastá-los, materiais semelhantes a
eles quanto a cor e propriedades físicas e mecânicas é algo que há poucos anos
atrás era, para muitos, inimaginável. A odontologia adesiva, proposta
inicialmente por Buonocore, um cientista dental impar, é a grande responsável
por todas essas "novas" e fantásticas possibilidades que dispomos
atualmente. Porém sempre é bom
lembrarmos que os achados de Buonocore ficaram adormecidos por cerca de 25 anos, por conta de um contingente enorme
de céticos, atrasando, certamente a chegada desse maravilhoso tempo que vive a
odontologia restauradora atualmente.
3 - Você acredita em proteção
pulpar direta com sistemas adesivos?
Posso pular essa questão? Estou
brincando. Já acreditei. Fui levado a acreditar, diga-se de passagem, por conta
de EVIDÊNCIAS CIENTIFICAS disponibilizadas em revistas cientificas de alto
fator de impacto. Por conta de publicações de pesquisadores, altamente renomados
na época. Por conta disso (não estou querendo transferir responsabilidades) e
pela minha inexperiência, ou quem sabe prepotência, executei esse tipo de
procedimento inúmeras vezes e o que é pior, recomendei, inclusive através de um
dos meus livros. Eu estava equivocado. Reconheço. Infelizmente, naquela ocasião
eu tinha um amigo "cientista"em quem eu confiava muito e que também
me estimulou a usar o procedimento. Para
meu espanto um tempo depois ele escondeu a aula sobre "Mitos
Pulpares" e passou a atacar cientificamente aqueles que executavam tal
procedimento. Por conta do meu equivoco passei muitos anos da minha vida
“apanhando” de vários pesquisadores. Várias vezes presenciei pessoas me olhando
como se estivessem dizendo: “esse aí é o “babaca”que coloca ácido na polpa”.
Sem contar os inúmeros professores que passaram a me tratar mal ou que deixaram
de falar comigo ( agora todos já voltaram a falar comigo). Ainda hoje tem gente
que me pergunta assustado sobre isso. Sem contar os estudantes que me procuram
e dizem: “meu professor diz isso e aquilo sobre o Sr., pelo fato do Sr.,
aplicar ácido na polpa”. Mas como aprendi com meu pai que “bom cabrito não
berra”, fui levando a vida e, hoje, posso dizer, com a cabeça erguida, que
INFELIZMENTE, eu estava equivocado mas que continuo na “luta” e que a “luta”
tem sido ótima.
4 - O cimento de
ionômero de vidro ainda tem sua utilização como base de restaurações de resina
compostas?
Acredito que sim. Embora eu não o
use com a frequência que já o utilizei, ainda assim, em casos, por exemplo, de
cavidades de classe II em que não há esmalte na margem gengival, ainda faço uso
de um ionômero de vidro como base. Para ser sincero, cada vez que faço isso,
sinto como se estivesse traindo a mim mesmo. Sinto como se alguém estivesse me
espionando e dizendo: "Tá vendo. Tá vendo. Ele usa ionômero". Toda
vez que uso um ionômero lembro, com muito carinho e respeito, da minha
orientadora de doutoramento, a Professora Maria Fidela de Lima Navarro, que
sempre foi uma estudiosa do assunto.
5 - Pensando em uma
restauração classe IV, ou III, você indica ou não a confecção do bisel e por
que?
NÃO, NÃO INDICO. Respeito aqueles
que indicam mas não vejo nem uma razão para isso. Já orientei alguns trabalhos
de dissertação e tese sobre isso e verificamos que, com as resinas atuais, as
quais são completamente diferentes das resinas do passado, quando esse
artificio foi primeiramente indicado. Realmente NÃO acredito nas razões até
hoje advogadas para fazermos biseis. Reafirmo, respeito aqueles que fazem uso
desse artifício, mas não vejo necessidade. Pense no seu filho de 8 anos de
idade com o dente 21 fraturado. Se você fizer o bisel NUNCA mais você terá a
possibilidade de usar a estrutura dental que foi removida. Lembre que essas
restaurações, especialmente em crianças, tem um tempo de vida útil muito baixo,
da ordem de 5 anos. Até a idade adulta a restauração será substituída várias
vezes, implicando em mais desgaste dental. A odontologia adesiva é fantástica
exatamente por isso: IMPEDIR A NECESSIDADE DE DESGASTE DENTAL (pelo menos em
algumas situações). Felizmente, tenho tido o privilégio de testemunhar, por
todo o mundo, cada vez mais profissionais usando essa estratégia. E ninguém
precisa brigar por isso.
6 - Os sistemas CAD-CAM
vieram para tomar conta do mercado da confecção de restaurações indiretas. Você
acha que em um futuro próximo ainda terá espaço para as cerâmicas e metais
obtidos por fundição?
Confesso que sou um apaixonado
pela tecnologia CAD/CAM. Já faz 8 anos que uso, sistematicamente, na minha
clínica privada o sistema Cerec da Sirona. Atualmente tenho um Cerec AC que me
parece fantástico. Quanto mais uso mais apaixonado fico. Mas quanto a pergunta
especifica não sei dizer. É provável que sim.
7 - Quando você se apresenta para uma platéia
grande, como se sente?
Quando me apresento para qualquer
platéia me sinto no céu. Amo fazer aquilo que faço. Faço para o público. Não
importa o número de pessoas. Sempre dou o máximo. Quando fiz a minha primeira apresentação em
um congresso, lá se vão cerca de 35 anos, haviam apenas três pessoas no
auditório. O professor que fez a minha apresentação, o moço responsável pela
projeção e um senhor de cabelos branco. Nunca esqueço desse dia. Talvez tenha
sido a melhor que já fiz (a primeira a gente nunca esquece, alem do fato de
praticamente não ter havido testemunhas.). Até hoje sou amigo desse senhor (
por sinal um dos melhores dentistas que conheci na minha vida). Imagine se eu
não tivesse dado o máximo. No mínimo ele teria saído da sala e teria
interrompido a minha primeira apresentação por falta de público. Uma platéia
grande depende do tamanho da sala. Uma vez fui a Manaus ministrar um curso e no
auditório haviam mil e quinhentos lugares. Acontece que haviam apenas (para
aquele imenso auditório) 350 pessoas (o que é um excelente número). A sensação era de auditório vazio. De
fracasso. Então sugeri mudarmos para uma sala menor, de trezentos lugares e com
cinquenta cadeiras extras. A sensação passou a ser de um MEGA SHOW. Tudo que
faço é para o público, não importa o tamanho. Mas é óbvio que um auditório
cheio faz a adrenalina aumentar e torna tudo ainda mais agradável.
8 - Para você, qual o tratamento restaurador
estético mais difícil de se realizar?
Quase tudo que envolve o uso de
resinas compostas em dentes anteriores é difícil. Inserir e polimerizar a
resina é fácil, mas fazer a restauração se parecer com dente natural é muito
difícil. Infelizmente poucos são, realmente, bons nisso. Por outro lado, muitas
profissionais, por sempre darem o melhor de si acabam acreditando que fazem
muito bem suas restaurações. Infelizmente não é isso que se vê. Nesse aspecto,
quanto menor a restauração, como por exemplo, uma pequena classe III com
extensão vestibular ou uma pequena classe V na superfície vestibular dos incisivos
superiores, me parece mais difícil
igualar a cor da resina a do dente. As restaurações maiores sempre me
pareceram mais fáceis. Embora elas também sejam muito difíceis. Restaurações
diretas envolvem um aspecto muito importante e que é difícil de ser controlado,
o estresse da espera do resultado final.
Outro aspecto muito importante é que não basta o profissional saber fazê-las
apropriadamente. Ele precisa ter muita paciência, especialmente nas etapas
finais. Isso demanda tempo e, geralmente, muitos profissionais acabam optando
pela produtividade em detrimento da "excelência". Outro aspecto
critico dessas restaurações é que as diferentes marcas comerciais de resinas
compostas apresentam um comportamento óptico muito confuso e diferente em relação
a elas próprias e aos tecidos duros dentais.
9 - Você tem algum professor em que você se
espelha ou já se espelhou?
Claro. Tive vários professores em
quem me espelhei. Vários. Em vários aspectos. Sempre gostei de prestar a
atenção na forma como os meus professores estruturavam suas aulas. Sempre.
Tive, ainda na infância, uma professora de português chamada Vera Bazzo que
foi, provavelmente, a pessoa que mais me influenciou. As aulas dela, mesmo
sobre gramática, eram um verdadeiro deleite. Ela tinha aquilo que julgo
fundamental em qualquer professor, inclusive mais importante que o conhecimento
(me perdoem). Ela tinha aquele brilho nos olhos que cativa as pessoas e que as
colocam em coneção com aquilo que está sendo apresentado. Quando fiz meu
mestrado e doutorado na FOB-USP, lá se vão muitos anos, tive um professor de
endodontia, o Clóvis Bramante, que me fascinava com as suas excelentes aulas. E
olha que ele não costumava usar slides. Nesse aspecto acredito que tive MUITA
SORTE na vida, pois tive, realmente, ÓTIMOS professores. Sou grato a todos
eles. Para finalizar gostaria de lembrar a todos, especialmente aos mais
jovens, que continuo acreditando que, apesar dos problemas, a nossa profissão
ainda é a melhor profissão do mundo. Torná-la ainda melhor só depende de nós.
Felicidades para todos.
Entrevista realizada por Eduardo Souza Junior